O militarismo é um fenômeno político e social no qual as forças armadas exercem influência preponderante sobre as instituições estatais, a definição de políticas públicas e a organização da sociedade. Diferentemente de regimes autoritários estritamente civis, o militarismo se caracteriza pela primazia dos valores militares — disciplina, hierarquia, obediência, espírito de corpo e culto à força — sobre as demais formas de organização social e política. Nesse contexto, o poder de decisão e a formulação de estratégias nacionais ficam concentrados em quartéis e gabinetes de oficiais, enquanto a participação civil é, na melhor das hipóteses, secundarizada.
Origens históricas
Embora formas de governo apoiadas em estruturas militares existam desde a Antiguidade — como nos exércitos-cidadãos de Esparta ou nas legiões romanas —, o militarismo moderno ganhou relevância a partir do século XIX. O processo de unificação alemã, conduzido por Otto von Bismarck, revela o papel central do exército prussiano: a força militar não apenas assegurou a vitória em guerras contra Dinamarca, Áustria e França, mas também modelou a identidade nacional alemã em torno de valores bélicos. No Japão, a Restauração Meiji (1868) promoveu a modernização das forças armadas e incorporação de ideais samurais, convertendo o exército em pilar do Estado-nação e preparando o terreno para o expansionismo nipônico nas décadas seguintes.
Características fundamentais
O militarismo não se resume à simples presença do componente militar na política; ele impõe um conjunto de características específicas:
– centralização do poder aos altos comandos militares, que assumem posições-chave no Executivo e no Legislativo;
– deslocamento da legitimidade política do sufrágio popular para o mérito militar, conferido por promoções e patentes;
– adoração de símbolos e rituais militares, que permeiam a esfera pública e moldam o comportamento dos cidadãos;
– priorização de orçamentos elevados para defesa em detrimento de políticas sociais;
– restrição às liberdades civis, justificadas pela necessidade de segurança nacional e coesão interna.
Esses traços aparecem em graus variados conforme o contexto histórico e cultural de cada país, mas mantêm o núcleo autoritário e a valorização da força como instrumento de governo.
Manifestações ao longo do século XX
No período entre as duas Guerras Mundiais, o militarismo encontrou expressão em regimes totalitários como o nazismo na Alemanha e o fascismo na Itália. Em ambos, oficiais graduados e veteranos de combate ocuparam cargos de destaque, e o aparato militar foi integrado à propaganda de Estado. A educação escolar e o trabalho obrigatório em organizações paramilitares (como a Juventude Hitlerista) visavam moldar gerações inteiras segundo o ethos bélico. Ao mesmo tempo, o Japão imperial reforçou o poder político de estamentos militares, culminando no ataque a Pearl Harbor e na defesa até o último homem da pátria.
Nas décadas de 1960 e 1970, golpes militares instalaram ditaduras na América Latina, com destaque para Brasil, Argentina, Chile e Uruguai. Nestes países, os militares justificaram a tomada de poder como resposta à ameaça comunista, mas rapidamente institucionalizaram um regime de censura, perseguição política e violações de direitos humanos. As Forças Armadas passaram a controlar todos os níveis de governo, suprimindo partidos políticos, dissolvendo parlamentos e impondo o toque de recolher. Em muitos casos, a economia foi gerida segundo planos de desenvolvimento dirigidos pelas altas patentes, com ênfase em investimentos em infraestrutura militar ou em indústrias de base.
Efeitos políticos e sociais
O militarismo gera impactos profundos sobre a esfera política e o tecido social. Do ponto de vista institucional, elimina ou fragiliza os mecanismos de controle e equilíbrio, substituindo partidos, judiciário e imprensa por organismos subordinados ao comando militar. Isso costuma resultar em arbitrariedades, prisões sem julgamento, tortura e desaparecimentos forçados. A sociedade, por sua vez, experimenta o cerceamento das liberdades individuais, a uniformização dos comportamentos e a vigilância permanente, muitas vezes respaldada por polícia política e serviço de inteligência militar.
Na economia, os gastos militares inflacionam orçamentos públicos e direcionam recursos à compra de armamentos e manutenção de quartéis, reduzindo investimentos em saúde, educação e infraestrutura civil. A prioridade às indústrias de defesa pode até fomentar setores específicos, mas poucas vezes se traduz em desenvolvimento equilibrado. Ademais, o culto ao martírio e à obediência absoluta cria uma cultura de medo e conformismo, desestimulando o dissenso e a criatividade.
Exemplos históricos
Prússia-União Alemã no século XIX
A eficiência administrativa e militar da Prússia sob Bismarck tornou-se modelo de unificação alemã. A doutrina de “Guerra Relâmpago” e a rígida hierarquia prussiana foram decisivas nas Guerras de Unificação, consolidando o papel político do alto comando como árbitro supremo das crises nacionais.
Japão Imperial (1890–1945)
A Restauração Meiji centralizou o poder no imperador, mas delegou aos oficiais de alta patente o controle direto sobre a política externa e a defesa. Generais como Hideki Tojo exerceram o cargo de primeiro-ministro, mostrando a confusão de esferas entre Estado e Exército.
Ditadura Militar no Brasil (1964–1985)
Iniciada com o golpe de 31 de março de 1964, em que oficiais de alta patente depuseram o presidente João Goulart, a ditadura brasileira consolidou-se com sucessivas restrições à liberdade de expressão, censura rígida aos meios de comunicação e cassações de mandatos. Ao longo de duas décadas, presidentes militares governaram pelo AI-5, que permitia intervenções sem controle do Congresso.
Características do militarismo brasileiro incluíram a criação de órgãos como o DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna), dedicado à perseguição de opositores, e a Lei de Anistia, que perdoou crimes políticos de ambos os lados, mas manteve o silêncio sobre torturas e mortes no regime.
Militarismo contemporâneo
Embora a maioria dos regimes autoritários tenha sido substituída por governos democráticos, o militarismo persiste em diversas formas. Em países como Turquia, Egito e Mianmar, as Forças Armadas continuam a intervir na política, ora sob justificativas de combate à corrupção ou ao extremismo, ora apoiando golpes institucionais. Ainda hoje, oficiais jubilados assumem ministérios, e constituições são reformadas para garantir status privilegiado às Forças Armadas.
Em democracias consolidadas, o militarismo assume feições mais sutis: orçamentos crescentes para defesa, acordos bilaterais de cooperação militar, presença ostensiva de tanques em desfiles cívicos e a militarização de áreas urbanas através de forças de elite policiais treinadas em estilo militar. Essa presença reforça o imaginário de segurança por meio da força, mas também pode provocar tensões entre poder civil e militar.
Conflitos e tensões
O exercício desmedido do poder militar pode gerar reações contrárias e crises institucionais. Movimentos civis de contestação, greves, protestos massivos e manifestações artísticas costumam surgir em resposta aos abusos de autoridade. A sociedade, ao longo do tempo, constrói mecanismos de resistência — tribunais internacionais, organismos de direitos humanos, imprensa livre — que visam responsabilizar oficiais e limitar a atuação militar. Contudo, enquanto o culto à força permanecer valorizado, o militarismo continuará atraente para parcelas da população que enxergam nas Forças Armadas a solução para a instabilidade política e a criminalidade.
Desafios atuais
O mundo pós-Guerra Fria apresentou cenários complexos: terrorismo global, guerras assimétricas e ameaças cibernéticas. Tais desafios reforçam a ideia de que o aparato militar deve estar sempre pronto e bem equipado. Nesse contexto, o militarismo obtém respaldo público para justificar elevados investimentos em defesa e vigilância. Ao mesmo tempo, a fusão entre empresas de tecnologia e indústrias bélicas gera um lobby eficiente que influencia decisões governamentais, ampliando o poder militar em detrimento de alternativas diplomáticas.
O debate contemporâneo exige equilíbrio: assegurar a defesa nacional sem permitir que os militares dominem a agenda política. A profissionalização das Forças Armadas, o fortalecimento de parlamentos e judiciários, e a transparência nos orçamentos militares são medidas fundamentais para conter tendências militaristas. A vigilância da sociedade civil e de instituições independentes permanece, assim, o principal freio ao predomínio absoluto dos quartéis.
Conclusão
O militarismo é um fenômeno que se manifesta em variados graus e formatos, mas cujo cerne é sempre a primazia da força sobre os demais valores democráticos. Desde a unificação alemã até as ditaduras latino-americanas, passando pelos regimes totalitários do século XX e pelas tensões atuais em torno de guerras e terrorismo, o poder militar resistiu às transformações políticas, adaptando-se a novos contextos. Compreender suas origens, características e efeitos é essencial para que sociedades vigiem o equilíbrio entre as instituições civis e as Forças Armadas, garantindo que a segurança nacional não sirva de pretexto para a supressão dos direitos fundamentais.